Foi no dia 2 de Julho pelas nove e meia da manhã.
Um estrondo que, de tão forte e tão desconhecido,
ninguém identificou.
O momento era de fuga… fugir de algo inominado e
terrível.
Quando abri a porta do meu quarto vi a rua e um
vizinho queimado a pedir ajuda
A escada estava cheia de vidros, madeira e
escombros. O telefonema para o 112 saiu atrapalhado: uma explosão, Rua Conde
das Antas, Campolide é grave. “Já sabemos!”
Estava tudo negro e o fogo iniciava-se envolvido
num fumo ainda mais negro. Aterrador.
E o neto, que eu ouvira no jardim pouco
antes? Ele estava bem, a Anabela chorava. “Ouvi um balhulho e caiu-me uma vela no nariz, e eu chorei”. Levá-lo para
longe do fogo era imperioso; as amigas do Consultório apareceram como por
milagre no jardim e vieram ter connosco; saímos, esquina abaixo, a espreitar o
fogo.
Carros a arder na rua, primeiro um, depois outro
e outro. Um jipe a arder debaixo da minha janela. Como evitar o fogo? Uma
mangueira? A casa vai arder… Ninguém pensa direito nestas circunstâncias.
Um homem cheio de cortes deitado na rua. Chegam
ambulâncias. Chegam os bombeiros e, numa questão de segundos, apagam o fogo.
Estamos juntas e cada uma conta a sua história. A
Ana tinha estado a ver o autocarro parado e bloqueado por alguém mal
estacionado e abrira a janela. A explosão atirou-a para debaixo de outra
secretária e inundou-a de vidros. Desmaiou, mas a Sofia, que também tinha
apanhado vidros, viera socorrê-la e ambas estavam ilesas, fora uma dor no ombro
resultante da queda. A Ana V. entrara no recanto dos computadores segundos
antes da explosão e com isso se salvou de todos os escombros atirados como
estilhaços de bala. A Teresa e a Vera tinham saído um minuto antes da explosão
e, quando ela veio, estavam a salvo na rua de cima. A Deolinda estava no
ginásio e correu para junto das outras. Tinham fugido para o jardim em busca de
refúgio. Estavam todas bem.
Não havia doentes no Consultório. O que tinha
feito registo de sono já tinha saído, o que vinha fazer um EEG às 9:30 tinha
desmarcado, outra esqueceu-se da consulta. Por razões mal explicadas, eu tinha
desmarcado todas as consultas desse dia.
Olho para trás. Tinha preguiçado e atrasado o
levantar e foram esses segundos de atraso que me salvaram de uma morte bem
provável. Eu e todas nós tínhamos escapado por segundos.
A rua onde passam carros constantemente estava
vazia, sem carros a passar no momento da explosão. O autocarro avançara
momentos antes levando todos os passageiros sem problemas.
Um vizinho, cujo jipe ardeu, apoquentou-se por
segundos, depois olhou para a casa dos pais totalmente destruída e pensou: eles
foram ontem à tarde de férias e estão bem. Que alívio!
Uma avó idosa fora pôr o neto algures e
atrasou-se no regresso a casa; estava na esquina no momento da explosão, longe
do perigo.
A destruição era enorme, portas, vidros e janelas
tinham desaparecido de três prédios; as marcas do fogo estavam na rua, havia
vidros partidos em muitos pontos das redondezas.
Muitos nos ajudaram: o Presidente da Junta, Dr.
André Couto (foi impecável) e, tal como ele, o pessoal da Junta de Freguesia, a
Polícia e a Protecção Civil.
Pensei como era bom ter casas do século XIX e
XX, com tão boa construção que resistiram estruturalmente àquele embate, e
agradeci mentalmente à família Pereira Coutinho.
Os amigos telefonaram dando conforto e
perguntando “O que é preciso?”. Foi bom, muito bom.
Chamei a filha e o genro. “Foi grave…” Eles
vieram a correr para uma enorme ajuda e um apoio inestimável.
Mas nós estávamos bem, protegidos por forças que
nos transcendem e que, um a um, tomaram conta de nós. Sem qualquer ferida num
mar de escombros.
Os anjos da Guarda tinham protegido a Clínica e
tomado conta de nós.
Um enorme reconhecimento; uma profunda gratidão,
pois tal como se reza no Pai-nosso, “tínhamos sido livradas do mal”.
Quando me dizem “Que grande azar!” penso. “Não,
foi uma grande sorte!”
Foi assim que, juntos, começámos a pôr tudo de
pé, como uma equipa forte e coesa.
E hoje, passados que foram os piores momentos,
sinto essa protecção dos anjos pairando sobre a casa e adormeço em sossego.
Prof. Teresa Paiva,
Lisboa 11 de Julho de 2013
2 comentários:
Cara Dra. Teresa, não tinha noção que sofrera um problema tão grave...
Há umas semanas atrás, a minha Mãe relatou-me que tinha ouvido falar de uma explosão de gás em Campolide, mas não sabiamos o local.
Na verdade, eu lembrei-me de si, mas uma pessoa pensa sempre que seria ''impossível'' que pudesse acontecer uma coisa destas.
Eu sei que é uma estupidez, só que parece que é algo que só acontece aos ''outros'' e que nunca iria suceder com alguém que nós conhecemos e gostamos.
A verdade é que os ''outros'' somos todos nós!
Todos estamos sujeitos a estas fatalidades terríveis.
Embora só tenha tomado conhecimento neste momento, eu espero que esteja tudo bem consigo e que a Clínica possa continuar a funcionar da melhor maneira como tem sido sempre até agora.
Se precisar de ajuda com arrumações, disponha.
Um abraço amigo,
Joana Macedo Luís
Olá Joana
Muito obrigada. Foi mau e difícil mas estamos todos bem e sem beliscaduras
Tudo se vai por de pé e renascer melhor
Um abraço
Teresa Paiva
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