sexta-feira, 12 de julho de 2013

Os Anjos da Guarda


Foi no dia 2 de Julho pelas nove e meia da manhã.

Um estrondo que, de tão forte e tão desconhecido, ninguém identificou.

O momento era de fuga… fugir de algo inominado e terrível.

Quando abri a porta do meu quarto vi a rua e um vizinho queimado a pedir ajuda

A escada estava cheia de vidros, madeira e escombros. O telefonema para o 112 saiu atrapalhado: uma explosão, Rua Conde das Antas, Campolide é grave. “Já sabemos!”

Estava tudo negro e o fogo iniciava-se envolvido num fumo ainda mais negro. Aterrador.

E o neto, que eu ouvira no jardim pouco antes? Ele estava bem, a Anabela chorava. “Ouvi um balhulho e caiu-me uma vela no nariz, e eu chorei”. Levá-lo para longe do fogo era imperioso; as amigas do Consultório apareceram como por milagre no jardim e vieram ter connosco; saímos, esquina abaixo, a espreitar o fogo.

Carros a arder na rua, primeiro um, depois outro e outro. Um jipe a arder debaixo da minha janela. Como evitar o fogo? Uma mangueira? A casa vai arder… Ninguém pensa direito nestas circunstâncias.

Um homem cheio de cortes deitado na rua. Chegam ambulâncias. Chegam os bombeiros e, numa questão de segundos, apagam o fogo.

Estamos juntas e cada uma conta a sua história. A Ana tinha estado a ver o autocarro parado e bloqueado por alguém mal estacionado e abrira a janela. A explosão atirou-a para debaixo de outra secretária e inundou-a de vidros. Desmaiou, mas a Sofia, que também tinha apanhado vidros, viera socorrê-la e ambas estavam ilesas, fora uma dor no ombro resultante da queda. A Ana V. entrara no recanto dos computadores segundos antes da explosão e com isso se salvou de todos os escombros atirados como estilhaços de bala. A Teresa e a Vera tinham saído um minuto antes da explosão e, quando ela veio, estavam a salvo na rua de cima. A Deolinda estava no ginásio e correu para junto das outras. Tinham fugido para o jardim em busca de refúgio. Estavam todas bem.

Não havia doentes no Consultório. O que tinha feito registo de sono já tinha saído, o que vinha fazer um EEG às 9:30 tinha desmarcado, outra esqueceu-se da consulta. Por razões mal explicadas, eu tinha desmarcado todas as consultas desse dia.

Olho para trás. Tinha preguiçado e atrasado o levantar e foram esses segundos de atraso que me salvaram de uma morte bem provável. Eu e todas nós tínhamos escapado por segundos.

A rua onde passam carros constantemente estava vazia, sem carros a passar no momento da explosão. O autocarro avançara momentos antes levando todos os passageiros sem problemas.

Um vizinho, cujo jipe ardeu, apoquentou-se por segundos, depois olhou para a casa dos pais totalmente destruída e pensou: eles foram ontem à tarde de férias e estão bem. Que alívio!

Uma avó idosa fora pôr o neto algures e atrasou-se no regresso a casa; estava na esquina no momento da explosão, longe do perigo.

A destruição era enorme, portas, vidros e janelas tinham desaparecido de três prédios; as marcas do fogo estavam na rua, havia vidros partidos em muitos pontos das redondezas.

Muitos nos ajudaram: o Presidente da Junta, Dr. André Couto (foi impecável) e, tal como ele, o pessoal da Junta de Freguesia, a Polícia e a Protecção Civil.

Pensei como era bom ter casas do século XIX e XX, com tão boa construção que resistiram estruturalmente àquele embate, e agradeci mentalmente à família Pereira Coutinho.

Os amigos telefonaram dando conforto e perguntando “O que é preciso?”. Foi bom, muito bom.

Chamei a filha e o genro. “Foi grave…” Eles vieram a correr para uma enorme ajuda e um apoio inestimável.

Mas nós estávamos bem, protegidos por forças que nos transcendem e que, um a um, tomaram conta de nós. Sem qualquer ferida num mar de escombros.

Os anjos da Guarda tinham protegido a Clínica e tomado conta de nós.

Um enorme reconhecimento; uma profunda gratidão, pois tal como se reza no Pai-nosso, “tínhamos sido livradas do mal”.

Quando me dizem “Que grande azar!” penso. “Não, foi uma grande sorte!”

Foi assim que, juntos, começámos a pôr tudo de pé, como uma equipa forte e coesa.

E hoje, passados que foram os piores momentos, sinto essa protecção dos anjos pairando sobre a casa e adormeço em sossego.

 

Prof. Teresa Paiva,

Lisboa 11 de Julho de 2013

 

2 comentários:

Anónimo disse...

Cara Dra. Teresa, não tinha noção que sofrera um problema tão grave...
Há umas semanas atrás, a minha Mãe relatou-me que tinha ouvido falar de uma explosão de gás em Campolide, mas não sabiamos o local.
Na verdade, eu lembrei-me de si, mas uma pessoa pensa sempre que seria ''impossível'' que pudesse acontecer uma coisa destas.
Eu sei que é uma estupidez, só que parece que é algo que só acontece aos ''outros'' e que nunca iria suceder com alguém que nós conhecemos e gostamos.
A verdade é que os ''outros'' somos todos nós!
Todos estamos sujeitos a estas fatalidades terríveis.
Embora só tenha tomado conhecimento neste momento, eu espero que esteja tudo bem consigo e que a Clínica possa continuar a funcionar da melhor maneira como tem sido sempre até agora.
Se precisar de ajuda com arrumações, disponha.

Um abraço amigo,
Joana Macedo Luís

Anónimo disse...

Olá Joana
Muito obrigada. Foi mau e difícil mas estamos todos bem e sem beliscaduras
Tudo se vai por de pé e renascer melhor
Um abraço
Teresa Paiva

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