sexta-feira, 29 de março de 2013

Dormir de consciência tranquila


“Durmo pouco, mas de consciência tranquila”.
Ouvi o Primeiro Ministro repetir esta frase diversas vezes e, como hoje é Sexta-Feira Santa, vale a pena meditar sobre o seu significado.
Hoje o mundo cristão recorda, celebra e venera a paixão e morte de Jesus Cristo; o homem que disse que mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus.
O Papa adoptou um nome que, estranhamente, nunca antes fora usado, lembrando com isso um Francisco que se despojou de riquezas, criticou opulências, protegeu os pobres e falou com a natureza.
Ela chegou carente explicando os seus males confusamente. Era magra, nervosa, de gestos inquietos. Vinha de longe em busca da esperança duma solução.
Não dormia; tinha começado há uns tempos, mas piorara muito no último ano. Nada lhe fazia bem, nem a punha a dormir; era um desespero não dormir e ter de se levantar cedo. Levantava-se às 6 para pegar as 7; trabalhava até às 10 da noite e deitava-se pelas 11 /meia-noite.
Sabe, as coisas estão mal… não podemos ter empregados… despedimos vários, isto porque sou só eu e o meu marido. Temos uma empregada para o ajudar na cozinha, porque é ele que faz a cozinha e eu sirvo às mesas, e eu não o quero sobrecarregar mais…
A contabilização das horas de trabalho e das possíveis horas de sono dá resultados assustadores. Partilhar com o marido? Não era possível porque ele ainda entrava mais cedo, pelas 4 para preparar os almoços. Mas, pelo menos ele, que ressonava muito, dormia até muito bem!
Fico inquieta com a falta de soluções e as complicações possíveis. A insónia dela à beira da depressão, a apneia dele. Hesito numa racionalidade pouco convincente.
Ela - magra, nervosa, de gestos inquietos e ar cansado - acrescenta então o problema principal:  Perdemos a nossa casita, que construímos há 12 anos. Quando o negócio começou a baixar, deixámos de pagar o empréstimo e o banco ficou com a casa, que construímos os dois com o dinheirito que ganhámos.”
Não há volta a dar?
Não, não, é mesmo definitivo, o banco ficou com ela e vamos para uma casa alugada. Isto é o que mais me custa.
Esta insónia obedecia certamente ao modelo dos 3 PPP, com factores precipitantes, predisponentes e perpetuantes, mas… que comportamentos mudar? Como ensinar regras de higiene do sono? Como minorar os efeitos do drama existencial?
Porque, de facto, não se tratava só da insónia, mas sim da crise de valores dos nossos dias, da imoralidade de finanças dominantes e dominadoras, da desgraça duma classe que, por inculta, foi enganada com facilidades, da indiferença dramática para com coisas semelhantes a acontecerem em catadupa, da fatalidade de uma economia que, farta de sugar os pobres, passou a esvaziar a classe média, da vergonha duma sociedade que não assegura direitos básicos aos seus cidadãos, que não protege os mais fracos, que não regula os mercados nem a ganância de investidores anónimos, que não pune nem os grandes prevaricadores nem os causadores da situação actual, a que chamam “crise”.
Uma sociedade que avoluma o fosso entre ricos e pobres e que a cada dia cria mais pobres.
Uma sociedade assim, de acordo com o Papa Francisco, não garante os direitos humanos e, por isso, não se pode lavar as mãos como Pilatos nem dormir de consciência tranquila.

Professora Teresa Paiva
Lisboa, 29 de Março de 2013

sexta-feira, 22 de março de 2013

Multitask? Um disparate!

Estamos na época da multitarefa. Fazer muita coisa ao mesmo tempo e quanto mais melhor.
As donas de casa há muito que o fazem, pois, com um filho ao colo e a ralhar com outro, vão mexendo o tacho do almoço e calculando mentalmente o que é preciso comprar. A moda pegou, e muitos a praticam. 
São as empregadas domésticas a limparem o pó com uma mão, enquanto a outra leva o telemóvel ao ouvido. São as intelectuais com o computador, a televisão, o MP3 e o telemóvel, tentando que não fique espaço livre para nenhum devaneio. São as crianças a pularem de brinquedo em brinquedo, não vá um só aborrecê-las. São os adolescentes com o iPad, os sms e a PlayStation enquanto estudam qualquer coisa para o teste de amanhã. São os que, acreditando nos benefícios da actividade física, andam quilómetros na passadeira ou na elíptica, enquanto vêem TV, falam ao telemóvel, lêem relatórios ou estudam matérias. São os executivos com vários telemóveis, o da empresa, o de casa, o dos clientes especiais, mais o iPad e as notas dadas aos soluços para a secretária. São os políticos com vários telemóveis, o computadores e vários assessores a fazerem perguntas de estratégia, dando notícias de minudências urgentes ou propondo planos para reuniões de amanhã. São os jornalistas, os vendedores, os empresários, os médicos, os advogados, os veterinários, os farmacêuticos, os polícias… são muitos
Andam muitos por aí nesta cacofonia de tarefas, correndo como cavalos cansados, sem saber ou questionar qual o sentido da corrida.
 
Costumo dizer que estas sistemáticas oscilações entre tarefas são como andar numa linha em zig-zag, com re-focagens sucessivas para uma das tarefas e consequente aumento do esforço e inevitável cansaço. O zig-zag é mais longo do que a linha recta! Mas ainda pior, não se pensa bem ou ponderadamente nenhum dos assuntos.
 
Quais as criações de Da Vinci ou de Einstein se estivessem sempre agarrados ao telemóvel?
As técnicas de meditação, hoje tão em voga, têm como objectivo o sossego da mente ou a focagem do pensamento, ou seja, defendem uma perspectiva exactamente oposta. O problema é que, depois de um bombardeio sistemático do cérebro e dos sentidos, querem dormir bem porque estão cansados. 
Desiludam-se, o cérebro é como os músculos: quando o cansaço é grande demais não consegue descansar, e… adeus sono.
 
O sono vem na tranquilidade, no silêncio, no conforto…


Prof. Teresa Paiva
Lisboa, 22 de Março de 2013

sexta-feira, 15 de março de 2013

Em Busca do Sono Perdido

Este blog é lançado neste dia preciso de modo a comemorar 2 acontecimentos: O Dia Mundial do Sono e os 30 anos do CENC – Centro do Sono.

O Dia Mundial do Sono tem por tema “Bom sono, envelhecimento saudável”. Num país em que os idosos são mais frequentes do que os jovens, este alerta vem “a calhar”.
Com o avançar da idade dorme-se pior, mas isto não quer dizer que se durma mal quando se é idoso. Um idoso saudável dorme bem!

O que acontece com o avançar da vida? Há mais doenças médicas, há mais doenças do sono e há, por vezes, mais razões de tristeza, mais incapacidade, menos interesses e mais isolamento. Em conjunto, estes factores constituem um caldo de cultura de onde irá sair seguramente um mau sono. Mas não é necessariamente assim. Um idoso saudável dorme bem!
O que fazer então? Diagnosticar e tratar as doenças que existirem, ter cuidado com a medicação, reduzindo-a se excessiva (cuidado com os calmantes e hipnóticos tomados cronicamente), ter interesses e ocupações, ter hábitos sensatos e regulares, alimentar-se bem e comer produtos frescos, sair de casa e apanhar luz do sol, ocupar o cérebro, fazer exercício, procurar companhia.

Os 30 anos do CENC - Centro do Sono. Iniciado em 1983 o CENC, que inicialmente só fazia electroencefalografia, tem vindo a diferenciar-se e hoje é uma unidade de referência em Medicina do Sono. Prezando a qualidade clínica e científica dos seus serviços e dando prioridade aos interesses dos doentes, o CENC foi melhorando ao longo dos anos e, no aniversário dos seus 30 anos, renova-se mais uma vez. Como? Melhorando as instalações e equipamentos e criando novos serviços. Em 2013 criou a Consulta de Sono para Crianças e Adolescentes, a Consulta de Exercício e a Consulta da Dor, apresentará em Abril o seu novo site (www.centrodosono.com ), publica mais livros e cria este blog.

O Blog Em busca do sono perdido é um blog bilingue (Português e Inglês), que será renovado semanalmente e que contará com a participação de colaboradores, amigos, profissionais, cidadãos e doentes. Tem como objectivo levar ao reencontro do prazer perdido de dormir e ao equilíbrio individual e social que advém do enorme benefício do sono para o corpo, a saúde, as emoções e o cérebro. Pode encontrar o blog em www.centrodosono.blogspot.com

Prof. Teresa Paiva
Lisboa, 15 de Março de 2013