sexta-feira, 19 de julho de 2013

Avó e o Leite


Avó, de que cor é o teu cabelo? Branco. É da cor do leite

Avó, de que cor é o teu cabelo? Branco. É da cor do leite!

Fiquei comovida com a observação do meu neto que, nos seus dois anos de idade, gosta de “leitinho branco”.

O alimento primordial, que traz consigo conforto, carinho, crescimento, nutrição.

O leite é bom!

O meu neto não dizia que o cabelo era branco como a neve que, de tão fria, até queima, não falava em cãs, nem se referia à saudade. Na sua sabedoria infantil, contrariava a abominável frase do deputado da maioria PSD que, numa teatralidade parlamentar, afirmou que “a nossa pátria foi contaminada com a já conhecida peste grisalha” (sic).

Foi para contrariar a violência sistematicamente perpetuada sobre idosos, agora também na alta Câmara do país, que fiz uma pesquisa sobre feitos dessa dita “peste grisalha”. Aqui vão uns tantos:

·        O código Morse foi descoberto aos 47 anos.

·        Edgar Rice Burroughs, criador do Tarzan, foi correspondente de Guerra aos 66 anos.

·        Bell ainda fazia invenções com 75 e Edison produziu o telefone aos 84.

·        Golda Meir foi primeiro ministro aos 70, Winston Churchill aos 66 e aos 77 e Adenauer aos 88.

·        Charles de Gaulle e Ronald Reagan foram presidentes aos 69.

·        Franklin deu a sua contribuição para a constituição dos EUA aos 81.

·        Goethe acabou o Fausto com 81, Tolstoi escreveu I cannot be silent aos 82, Somerset Maugham escreveu Pontos de vista aos 84, e Bernard Shaw escreveu as Farfetched Fables aos 93.

·        Claude Monet ainda pintava aos 70-80 anos, Miguel Ângelo aos 88 e Picasso aos 90.

·        Albert Schweizer ainda operava com 89 anos.

·        Elizabeth Arden e Coco Chanel governaram as companhias respectivas até aos 85.

·        Palmira Bastos representou pela última vez com 89 anos.

·        Rubinstein tocava aos 90 e Pablo Casals aos 96.

·        Tesichi Igarishi subiu o Monte Fuji a pé com 100 anos.

·        Manoel de Oliveira realizou 20 filmes a partir dos seus 82 e lançou o seu filme O Gebo e a Sombra aos 104.

Estes, dir-me-ão, são gente de sucesso, mas há por aí uma multidão de gente inútil e doente que faz a sociedade gastar imenso dinheiro. A trapalhada da pirâmide invertida!

Enquanto não decidem retomar um hábito da velha Esparta, deitando todos os velhos pela borda fora, quiçá em Sagres ou no cabo Espichel, gostaria de apontar que, sem grande brilho, sem pompa ou circunstância, há por aí muitas cabeças grisalhas a serem quotidianamente úteis:

- Há as mães de 80 anos que voltam a cuidar dos filhos desempregados e divorciados aos quarenta.

- Há avôs a tomar conta dos vários membros da prole subitamente sem casa e sem emprego.

- Há maridos a tomar conta das mulheres agora dementes, e vice-versa.

- Há pelo país fora velhotes, e só eles, a cuidar de campos, hortas e aldeias, garantindo com os seus cuidados a identidade milenar.

- Há muitos reformados embrenhados em acções de solidariedade.

- Há muitos avós a tomar conta dos netos, contrabalançando assim o peso excessivo que recai sobre os pais trabalhadores.

- Há muitos velhos que continuam a trabalhar e a ganhar as suas vidas.

- Há velhos que, vivendo teimosamente sozinhos, contrariam a pecúnia imobiliária.

- Há muitos velhos que, nas suas memórias, são repositórios únicos da cultura popular e das nossas memórias colectivas.

- Há cabeças grisalhas a tomar conta dos destinos europeus.

- Há uma rede nacional de solidariedade, de instituições e pessoas que, organizada fora da loucura vigente, mantém intocadas, vivas, impecáveis, capelas, igrejas, lares e outros apoios sociais.

- São cabeças grisalhas europeias que silenciosamente perpetuam em cada igreja a frase de Jesus Cristo: “Fazei isto em memória de mim”.

As escrituras ensinam que a idade traz sabedoria. Por isso, os patriarcas bíblicos, Abraão, Isaac e Jacob eram velhos e as instituições mais estáveis ao longo da história, tais como as Igrejas, as Universidades ou as Forças Armadas, têm sido governadas por cabeças grisalhas.

O nosso deputado não deve ter tido a felicidade de estar ao colo de uma avó, nem teve ou tem pais com cabeças grisalhas.

Eu, que tenho o cabelo da cor do leite, tenho verdadeiramente pena de si. Tenho pena de si e de todos os que não vêm na vida mais do que cifrões, poder e posse.

Pena dos que, tal como diz o Papa Francisco, são contaminadas pela globalização da indiferença.

Pena dos que não incluem no seu quotidiano qualquer transcendência.

Por isso mesmo, aqui deixo para o Senhor Deputado e para quem assim o quiser um salmo para que medite e, colateralmente, um Fado para que recorde.

Salmo 92:12-14

Os justos florescerão como uma palmeira e crescerão como cedros do Líbano; plantados na casa do Senhor florescerão na corte do Senhor nosso Deus. Darão ainda frutos na sua velhice e permanecerão frescos e verdejantes.


Professora Teresa Paiva


Lisboa, 19 de Julho de 2013

O Fado como Conselho

Cabelo branco é saudade
Da mocidade perdida,
Às vezes não é da idade
São os desgostos da vida.

Amar demais é doidice
Amar de menos maldade
Rosto enrugado é velhice
Cabelo branco é saudade.

Saudade são pombas mansas
A que nós damos guarida
Paraíso de lembranças
Da mocidade perdida.

Se a neve cai ao de leve
Sem mesmo haver tempestade
E o cabelo cor da neve
Às vezes não é da idade.

Pior que o tempo em nos pôr
A cabeça encanecida
São as loucuras de amor
São os desgostos da vida.

Para o passado não olhes
Quando chegares a velhinho.
Porque é tarde e já não podes
Voltar atrás no caminho

É como a lenha queimada
Dos velhos o coração
As cinzas são as saudades
Dos tempos que já lá vão.

Letra: Henrique Rego

Reportório de Alfredo Marceneiro

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Os Anjos da Guarda


Foi no dia 2 de Julho pelas nove e meia da manhã.

Um estrondo que, de tão forte e tão desconhecido, ninguém identificou.

O momento era de fuga… fugir de algo inominado e terrível.

Quando abri a porta do meu quarto vi a rua e um vizinho queimado a pedir ajuda

A escada estava cheia de vidros, madeira e escombros. O telefonema para o 112 saiu atrapalhado: uma explosão, Rua Conde das Antas, Campolide é grave. “Já sabemos!”

Estava tudo negro e o fogo iniciava-se envolvido num fumo ainda mais negro. Aterrador.

E o neto, que eu ouvira no jardim pouco antes? Ele estava bem, a Anabela chorava. “Ouvi um balhulho e caiu-me uma vela no nariz, e eu chorei”. Levá-lo para longe do fogo era imperioso; as amigas do Consultório apareceram como por milagre no jardim e vieram ter connosco; saímos, esquina abaixo, a espreitar o fogo.

Carros a arder na rua, primeiro um, depois outro e outro. Um jipe a arder debaixo da minha janela. Como evitar o fogo? Uma mangueira? A casa vai arder… Ninguém pensa direito nestas circunstâncias.

Um homem cheio de cortes deitado na rua. Chegam ambulâncias. Chegam os bombeiros e, numa questão de segundos, apagam o fogo.

Estamos juntas e cada uma conta a sua história. A Ana tinha estado a ver o autocarro parado e bloqueado por alguém mal estacionado e abrira a janela. A explosão atirou-a para debaixo de outra secretária e inundou-a de vidros. Desmaiou, mas a Sofia, que também tinha apanhado vidros, viera socorrê-la e ambas estavam ilesas, fora uma dor no ombro resultante da queda. A Ana V. entrara no recanto dos computadores segundos antes da explosão e com isso se salvou de todos os escombros atirados como estilhaços de bala. A Teresa e a Vera tinham saído um minuto antes da explosão e, quando ela veio, estavam a salvo na rua de cima. A Deolinda estava no ginásio e correu para junto das outras. Tinham fugido para o jardim em busca de refúgio. Estavam todas bem.

Não havia doentes no Consultório. O que tinha feito registo de sono já tinha saído, o que vinha fazer um EEG às 9:30 tinha desmarcado, outra esqueceu-se da consulta. Por razões mal explicadas, eu tinha desmarcado todas as consultas desse dia.

Olho para trás. Tinha preguiçado e atrasado o levantar e foram esses segundos de atraso que me salvaram de uma morte bem provável. Eu e todas nós tínhamos escapado por segundos.

A rua onde passam carros constantemente estava vazia, sem carros a passar no momento da explosão. O autocarro avançara momentos antes levando todos os passageiros sem problemas.

Um vizinho, cujo jipe ardeu, apoquentou-se por segundos, depois olhou para a casa dos pais totalmente destruída e pensou: eles foram ontem à tarde de férias e estão bem. Que alívio!

Uma avó idosa fora pôr o neto algures e atrasou-se no regresso a casa; estava na esquina no momento da explosão, longe do perigo.

A destruição era enorme, portas, vidros e janelas tinham desaparecido de três prédios; as marcas do fogo estavam na rua, havia vidros partidos em muitos pontos das redondezas.

Muitos nos ajudaram: o Presidente da Junta, Dr. André Couto (foi impecável) e, tal como ele, o pessoal da Junta de Freguesia, a Polícia e a Protecção Civil.

Pensei como era bom ter casas do século XIX e XX, com tão boa construção que resistiram estruturalmente àquele embate, e agradeci mentalmente à família Pereira Coutinho.

Os amigos telefonaram dando conforto e perguntando “O que é preciso?”. Foi bom, muito bom.

Chamei a filha e o genro. “Foi grave…” Eles vieram a correr para uma enorme ajuda e um apoio inestimável.

Mas nós estávamos bem, protegidos por forças que nos transcendem e que, um a um, tomaram conta de nós. Sem qualquer ferida num mar de escombros.

Os anjos da Guarda tinham protegido a Clínica e tomado conta de nós.

Um enorme reconhecimento; uma profunda gratidão, pois tal como se reza no Pai-nosso, “tínhamos sido livradas do mal”.

Quando me dizem “Que grande azar!” penso. “Não, foi uma grande sorte!”

Foi assim que, juntos, começámos a pôr tudo de pé, como uma equipa forte e coesa.

E hoje, passados que foram os piores momentos, sinto essa protecção dos anjos pairando sobre a casa e adormeço em sossego.

 

Prof. Teresa Paiva,

Lisboa 11 de Julho de 2013

 

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Os marialvas e as super-mulheres


Quando eu era pequena, os marialvas dedicavam-se a carros e mulheres ou a touros e mulheres, com ou sem misturas de fado e valentes bebedeiras. Bonitos ou feios, não seriam particularmente inteligentes ou cultos, mas andavam afadigados nas já referidas ocupações.

Nesse tempo, as mulheres ou eram mães ou eram mulheres, raramente ambas, porque quando mães, avolumavam-se e, redondinhas, perdiam o interesse dos maridos, e, quando eram mulheres, rodeavam-se de tias solteiras e/ou “criadas” (nome dado às empregadas domésticas) e, preocupadas com vestidos e festas, delegavam a atenção aos filhos para planos secundários.

Hoje tudo é diferente.

As super-mulheres de hoje são tudo: mães, esposas, profissionais e domésticas, e, para o conseguirem, fazem piruetas acrobáticas para fazer tudo em condições: tratam dos filhos, embelezam-se para o marido, são perfeitas no trabalho e ainda arrumam a casa.

Impossível! Não se pode fazer tudo bem, sobretudo porque falta tempo para serem elas próprias.

Tensas e irritáveis, organizam-se cada vez mais para se perderem de seguida em consequências funestas: esgotamento, depressão, separação e outras trapalhadas, e muitos sonhos desfeitos apesar do muito trabalho e do grande empenhamento.

E os homens? Um homem com um mínimo de sensatez não se atreve a gabar-se publicamente das suas conquistas femininas, nem das velocidades supersónicas dos seus carros, nem de noites encharcadas em vinho. Se o fizesse, teria à perna feministas, jornalistas, e outros tantos críticos e, quiçá, arriscava perseguição de qualquer forma de polícia.

De que se gabam, então? Espantada, ouço nos media, de forma reiterada e sucessiva, uma frase com sabor de auto-elogio: “Durmo poucas horas, mas…”; “Durmo pouco”; “Não dormi”.

Dormem pouco? Alguém quereria que um cirurgião o operasse, com mão imprecisa e olhos sonolentos por não ter dormido? Certamente que não.

Então porque havemos de querer que aqueles/as que tratam de assuntos importantes das instituições ou da nação, ou que lidam com matérias do nosso quotidiano, ou que tratam de aspectos económicos das mais variadas dimensões, que trabalham aqui, ali e acolá nas instituições mais variadas, em suma, aqueles/as que precisam de pensar, exerçam essas funções privados/as de sono?

Sabe-se que a privação de sono afecta o lobo frontal e as suas funções executivas, atingindo também o pensamento abstracto, a flexibilidade de raciocínio, a capacidade criativa, a memória, a aprendizagem.

No seu livro Sleepfaring, Jim Horne questiona exactamente o efeito da privação de sono em pessoas em lugares chave de decisão.

Efectivamente o conselho mais importante de Clinton a Obama foi que dormisse bem, porque ele próprio tinha cometido erros, sempre que não dormira o suficiente.

Voltando à “velha guarda”, não consta que o Dr. Mário Soares alguma vez se tenha gabado de dormir pouco. O Einstein também não.

Porque... quem não dorme bem não pode pensar bem e, tal como já dizia Nietzsche em Assim falava Zaratustra:

"Todos vós, que amais o trabalho desenfreado (...), o vosso labor é maldição e desejo de esquecerdes quem sois."

 

Prof. Teresa Paiva

Lisboa, 21 de Junho de 2013


sexta-feira, 7 de junho de 2013

Alma sã em corpo são


Com a descoberta da electricidade, o desenvolvimento industrial e tecnológico, o controlo sobre a energia, a produção alimentar, as comunicações, etc., e com os paradigmas sociais voltados para o “ter” e para o “sucesso”, a sociedade internacional modificou-se e desenvolveu novos hábitos de vida e de trabalho. A sociedade passou a funcionar em contínuo, primeiro 24h por dia e depois os 7 dias da semana. Os prazeres modificaram-se e estenderam-se pela noite. Neste enquadramento, o sono passou a ser visto como um empecilho para o trabalho, a produtividade e os interesses económicos.

Por isso, desde o último século, dorme-se menos, e progressivamente menos, e este deficit atinge todas as idades.

Antes, ninguém questionava quanto devia dormir um bebé, agora perguntam-me se 8 horas chega! Na minha adolescência, jantava-se cedo e a televisão parava à meia-noite com o hino nacional, agora o jantar é cada vez mais tardio e a televisão não pára. Namorava-se com “chaperon” e autorização dos pais, agora os namorados estão juntos olhando cada um para o seu telemóvel. Agradecia-se a Deus “o pão de cada dia” e nada se estragava, hoje há comida em grande abundância nos centros comerciais e hipermercados.

Convencemo-nos de que não tínhamos limites.

Há cada vez mais pobres e muitos milhões estão abaixo do limiar da pobreza; os divórcios e as famílias monoparentais aumentam; as doenças do sono também.

Os alertas para os riscos deste comportamento são muitos, mas na sociedade global não falam suficientemente alto, sufocados pelos sistemáticos desafios e incentivos em sentido contrário.

Os riscos e as consequências são, contudo, graves. Em todas as idades e em todos os continentes, dormir de menos ou demais aumenta o risco de obesidade, hipertensão arterial, diabetes tipo II, acidentes, cancro, depressão, insónia, morte mais precoce. Sobrepostos a todos estes riscos há os que afectam o cérebro, diminuindo a memória, a aprendizagem, a  criatividade, a resolução de problemas e afectando as emoções e a estabilidade emocional.

Porquê?

Porque no sono acontecem duas coisas fundamentais. O cérebro, liberto da atenção ao exterior, foca a sua atenção sobre si próprio e sobre o corpo, e estes dois diálogos são essenciais para a saúde.

No sono, o paradigma milenar de “alma sã em corpo são” assume deste modo a sua intensidade máxima.

O cérebro cuida de si próprio, aumentando a intensidade do sono em áreas mais estimuladas enquanto acordado (por exemplo, áreas com maior aprendizagem), religando circuitos importantes e fomentando interligação rápida entre várias zonas para que falem entre si, desligando circuitos para que descansem, apagando informação irrelevante e reforçando aquela que importa.

Como não se aprende o que não se gosta, o cérebro que dorme estabiliza as emoções; como, para aprender, é preciso experimentar, cria ambientes virtuais nos sonhos, onde, sem risco, se pode discutir, fugir, lutar, conversar ou chorar; como é preciso inovar, os sonhos versam sobre coisas impossíveis sem esquecer a raiz do real.

 Assim é do conhecimento corrente que a privação de sono aumenta os lapsos de atenção, lentifica a memória, reduz o output cognitivo e induz um humor depressivo.

Nos adolescentes e crianças, a perda de sono aumenta a distractibilidade e a irritabilidade, por oposição ao sono adequado que consolida a memória.

Por outro lado, a privação afecta a memória de estímulos neutros e positivos. Este efeito tem como consequência realçar a recordação de estímulos negativos e aumentar as respostas comportamentais de impulsividade a estímulos negativos, associando-se a menor expressividade facial aos estímulos emocionais.

A privação de sono tem também consequências comportamentais como maior risco de trauma, acidentes não intencionais e quedas em crianças e adolescentes e adultos.

As relações entre sono e capacidade intelectual têm sido avaliadas indirectamente através das relações com características do sono, tendo sido encontradas correlações entre as características dos fusos de sono e o quociente de inteligência.

É também sabido que um episódio de sono após um período de aprendizagem melhora essa mesma aprendizagem. Isto é verdade para tarefas verbais, motoras, tarefas de orientação espacial e desempenhos mais especializados, como tocar música, etc.

Por sua vez, a aprendizagem diurna de uma tarefa motora associa-se e correlaciona-se linearmente com um aumento da actividade delta e dos fusos de sono, no sono subsequente, na região motora contra-lateral.

Os efeitos do sono na consolidação da memória foram descritos no início do século XIX e do século XX, mas actualmente existe um corpo significativo de trabalhos que reafirma a função e o efeito do sono na consolidação de memórias de procedimentos e também na memória declarativa. Por outro lado, o sono não só melhora como também protege a memória declarativa.

Desde os anos 60 que se sabe que a memória declarativa é afectada tanto pelo sono como pela privação de sono. A privação de 36h de sono diminui significativamente a retenção de sequências temporais, mesmo com o auxílio de doses de cafeína, e afecta também a percepção correcta do desempenho.

A ideia de que o sono activa a criatividade advém de relatos de muitos cientistas e artistas que revelaram ter feito as suas obras ao acordar, após um sonho ou em fases de hipnagogia.

O relato mais detalhado deve-se a Kekulé, relativamente ao sonho que o leva à descoberta da estrutura do anel de benzeno. Referem-se outros: a descoberta do carreto da máquina de costura por Singer, os quadros de Dali, o livro Mr. Jeckyll and Mr. Hyde por Stevenson, o Imagine do Paul Mac Cartney, o filme Sonhos de Kurosawa, etc.

O efeito do sono não é apenas codificar e consolidar memórias ou aprendizagens mas antes integrá-las em novos esquemas associativos, que, através da generalização ou integração, podiam mostrar novas perspectivas ou direcções, dando razão ao ditado popular: “O travesseiro é bom conselheiro”.

Diversas experiências foram feitas neste sentido provando esta capacidade de integração “de novo” tanto em adultos como em crianças em fase pré-lingual.

Tendo isto em conta, o sono nocturno possibilita para todas as idades a consolidação de memórias e favorece os conceitos de generalização de informação e a identificação de soluções escondidas.

O conhecimento do efeito do sono sobre as emoções advém do aumento de irritabilidade e de mau humor após uma noite de privação de sono, características que se agravam se a privação for mantida. Apesar disto, também se sabe que a privação aguda (algumas noites) de sono pode ter um efeito anti-depressivo, efeito esse usado, anos atrás, no tratamento das depressões graves.

Por outro lado, sabe-se que tanto o stress como as emoções positivas ou negativas que ocorrem no dia-a-dia influenciam o sono.

O aumento de eventos positivos contribui para melhor sono subjectivo, e uma noite de sono melhora o reconhecimento de imagens com componentes emocionais. Os acontecimentos negativos tiram o sono a muitos, bons ou maus, dormidores.

Nesta perspectiva, a privação de sono funciona como uma bomba relógio para surtos de irritabilidade/agressividade na vida normal e pode explicar o humor depressivo de muitas perturbações psiquiátricas.

Finalmente, múltiplas doenças do sono, ou doenças médicas, neurológicas e psiquiátricas que o atingem de modo primordial afectam sistematicamente a memória, a capacidade de atenção e as funções executivas.

Assim, a prática de dormir pouco em trabalhadores intelectuais afecta sobremaneira as capacidades cognitivas (memória, aprendizagem, criatividade), as funções executivas e as capacidades emocionais, capacidades estas, essenciais à própria execução das tarefas intelectuais.

Por isso, se o cérebro e o corpo são as nossas ferramentas de trabalho, pô-las em risco equivale a matar “a galinha de ovos de ouro” de cada profissional.

Em síntese: para pensar bem, é importante dormir bem.

E o corpo?

Os riscos para o corpo da privação de sono já foram descritos. Porquê?

Durante o sono, são produzidas de forma regular e sistemática as hormonas anabolizantes, ou seja, a hormona do crescimento, a prolactina e a testosterona, e são controladas as hormonas catabolizantes, com maior relevo para o cortisol e a hormona estimulante da tiroideia.

Tudo acontece de modo a que se cresça ou se reparem os tecidos dos diferentes órgãos enquanto se dorme, e estejam reguladas funções reprodutoras. Tudo acontece para que, de manhã ao acordar, o cortisol esteja num nível adequado, para que o dia comece bem. Se não dormirmos, as hormonas anabolizantes diminuem e as catabolizantes aumentam e os riscos para a saúde aparecem.

Por outro lado, o sono é essencial na regulação de energia e para a homeostase, pelo controlo da temperatura, que diminui quando dormimos, e pela regulação do controlo energético por via alimentar, num balanço entre o que nos tira a vontade de comer (a leptina, produzida à noite) e o que nos aumenta o apetite (a orexina, produzida de dia e a grelina, segregada ao fim do dia). Por tudo isto, o dormir pouco dá fadiga e aumenta o risco de aumentar de peso em todos os grupos etários.

Além disso, o sono tem uma relação estreita e complexa com a imunidade e o não dormir aumenta o risco de doenças infecciosas e eventualmente auto-imunes.

No sono controla-se a divisão celular e, por isso, tanto o dormir pouco como o dormir fora de horas ou de forma irregular aumentam o risco de cancro em ambos os sexos.

Não ter limites? A grande ilusão da época tecnológica.

Não dormir é verdadeiramente pôr em risco um aforismo romano: “Alma sã em corpo são”.

 

Professora Teresa Paiva

Lisboa, 7 de Junho de 2013

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Dormir melhor? É possível!



“Vou para a cama e não consigo adormecer!”, “Passo a noite inteira a acordar”, “ Antes de o despertador tocar, já eu estou sem dormir há muito tempo”, “Nunca tenho um sono descansado!”, “Sempre dormi mal! Não há nada a fazer!” “Esta  falta de sono está a dar cabo de mim!”

São alguns dos desabafos exasperados e desesperados de doentes que procuram, apesar de tudo, uma ajuda especializada da Medicina do Sono para ajudar a resolver os seus problemas de insónia.

Porém, uma grande parte dos que sofrem as suas consequências na vida do dia-a-dia, nem sequer sabem que é possível melhorar a qualidade do seu sono. E, sobretudo, não têm ideia de como isso é importante para a sua saúde física, para o seu equilíbrio emocional e para o desempenho das suas tarefas diárias.

Vivemos numa sociedade de 24 horas, com estímulos múltiplos e atractivos, que nos permitem e nos incitam a vigílias prolongadas. Programas de televisão em contínuo, lojas de conveniência sempre abertas, aumento do trabalho por turnos, a moda de estilos de vida noctívaga levam-nos a viver em alerta permanente, como se o dia se prolongasse na noite, menosprezando o ritmo circadiário que regula a nossa existência.

Vivemos também uma vida apressada, em que o tempo parece não chegar para tudo o que temos de fazer ou queremos fazer... supostamente durante o dia. Como se fosse uma corrida de última hora para apanhar comboios, às vezes nem sabemos bem para onde, tantos são os destinos que queremos ou precisamos de alcançar. Não só o dia se prolonga pela noite dentro, como a invade com a diversidade e intensidade das vivências diárias – tarefas, pensamentos, emoções, projectos, preocupações ou problemas – gerando níveis de activação que dificultam a chegada  do sono e perturbam a sua manutenção ao longo da noite.

Não se dorme bem ou se dorme mal apenas por uma razão. Mas por um conjunto de factores – ambientais, comportamentais, cognitivos, emocionais – que se constituem obstáculos ao normal funcionamento do nosso sistema sono-vigília que sabemos (ou não?) ser involuntário. Somos severos quando nos queixamos que uma má noite  nos vai trazer um mau dia. Mas raramente nos lembramos que um mau dia pode também ser responsável por uma noite mal dormida.

Subjacentes aos desabafos de doentes que coloquei no início deste texto, estão muitos outros factores relacionados com a insónia, que iremos abordar futuramente neste blog.

Por hoje, fica apenas  a mensagem de esperança expressa no título deste texto DORMIR MELHOR É POSSÍVEL.

Por isso, se dorme mal, não se conforme. E, sobretudo, nunca desista de tentar aprender a dormir melhor.

 

Helena Rebelo Pinto

Psicóloga, PhD

Lisboa, 31 de Maio de 2013

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Narcolepsia, essa desconhecida


O que é?
 
A narcolepsia é uma doença do sono, crónica, auto-imune, que muitas vezes começa na infância e na adolescência.
 
Os sintomas principais são:
 
Sonolência frequente e irresistível durante o dia, com ataques de sono, aliviada por pequenas sestas
 
Cataplexia, ou seja, perdas de força súbitas no corpo todo ou em segmentos específicos, provocadas por emoções ou sustos. Não há desmaio!
 
Alucinações hipnagógicas, ou seja, ver imagens irreais e muitas vezes assustadoras no adormecer
 
Paralisia do sono, ou seja, incapacidade de se mexer no acordar
 
Insónia, ou dificuldades no sono nocturno
 
Excesso de peso
 
 
Que tipos existem?
 
Os principais são a narcolepsia com cataplexia ou sem cataplexia.
 
 
Como é diagnosticada?
 
O diagnóstico é feito pelos sintomas e pela realização de Polissonografia seguida de teste de Latência Múltipla do Sono.
 
Existem outros sinais biológicos:
 
Diminuição de orexina no Líquido Cefalorraquidiano
 
Prevalência aumentadas de subtipos do HLA (HLA DQ B6 01 02)
 
 
Que tratamento?
 
Depende dos sintomas. Tem como objectivo tratar a sonolência, evitar a cataplexia e as alucinações hipnagógicas e a insónia. Implica estimulantes da vigília e fármacos hipnóticos.
 
Não confundir com preguiça!
 
Não confundir com epilepsia!
 
Não confundir com outras doenças do sono!
Não confundir com privação crónica de sono (dormir pouco)!
 
É uma doença rara mas séria! Há que tratar!
 
Se adormece em todo o lado, trate-se!
 
 
Professora Teresa Paiva,
Lisboa 10 de Maio de 2013

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Esqueça o chazinho à noite


- Para descansar melhor, bebo um chazinho, que dizem ser bom para o sono.

- Eu antes de ir dormir, bebo um leitinho quente com duas bolachas.

- Eu bebo muita água durante o dia, mais de 2 litros, principalmente depois do lanche e do jantar.

- Para mim, o que é bom é o chocolate quente, bem morninho para aconchegar o estômago.

- Para tomar os remédios, bebo uma grande caneca de água.

- Pois eu bebo é de noite, tenho uma garrafa na mesa-de-cabeceira e vou bebendo quando acordo.

A verdade é que tudo isto são coisas a não fazer, principalmente para as pessoas mais velhas. Porquê?

Porque o excesso de líquidos ao fim do dia, depois do lanche e do jantar vai aumentar a necessidade de ir urinar de noite.

O acordar para urinar tem dois grandes problemas nas pessoas mais velhas:

- A maior dificuldade em readormecer. A capacidade de readormecer facilmente vai-se perdendo com a idade. Consequência: fica-se mais tempo acordado, o que pode determinar insónia ou encurtamento do sono.

- O levantar a meio da noite para urinar tem grandes riscos nos idosos. Porquê? Porque podem cair, e as fracturas em idades avançadas são particularmente perigosas. O que fazer? Se tiver vontade de urinar a meio da noite, acenda a luz e tente não ir sentindo-se confuso. Retire tapetes escorregadios e quaisquer empecilhos ou obstáculos entre o quarto e a casa de banho, e SOBRETUDO, evite os líquidos após o jantar ou o lanche, reduzindo-os ao mínimo possível. Lembre-se de que o risco de queda é maior para os tomam remédios para dormir.

A não esquecer: A partir de certa idade, evite líquidos ao fim do dia para não urinar de noite.



Professora Teresa Paiva

Lisboa, 3 de Maio 2013

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Deambular ou sonambular? Inconsciência ou crime?


Existe a convicção generalizada de que andar durante o sono equivale a ter sonambulismo. É uma convicção equívoca que leva a frequentes erros de diagnóstico ou a grandes atrasos na ida ao médico.

Porquê? Porque andar durante o sono pode ser devido a várias causas e, consequentemente, ter tratamentos diferentes.

Pode efectivamente ser devido a sonambulismo. O sonambulismo é uma doença bem definida, porque é mais frequente nos rapazes, é familiar, começa em redor dos 5-6 anos de idade e tende a desaparecer na adolescência. Os episódios surgem classicamente no sono delta, ou sono profundo, cerca de 1 hora depois do adormecer e não se repetem mais na mesma noite. O sonâmbulo tem uma memória vaga ou quase nula dos acontecimentos, anda pela casa de uma forma ordenada mas inconsciente, pelo que corre riscos de acidentes, como cair por uma escada ou de uma janela, partir objectos, etc. Geralmente, não é agressivo, mas pode ter agressividade se contrariado.

O sonambulismo pode ser provocado por alguns fármacos psicoactivos, e ser agravado pelo álcool, drogas, febre ou pela privação de sono.

O conhecimento disto é muito antigo. Já na Odisseia surge porventura o primeiro caso descrito e agravado pelo álcool, em que Elpenor, guerreiro da guerra de Tróia, tinha bebido vinho após uma batalha e subiu a um telhado onde dormiu. Quando, na manhã seguinte, foi chamado para embarcar, levantou-se, andou pelo telhado, caiu e morreu. A Síndrome de Elpenor refere-se, pois, a isso mesmo e aos riscos dos episódios de deambulação quando se está a dormir ou se acorda subitamente num alerta confusional.

Recentemente, o filme Side effects trata novamente do assunto, descrevendo um crime executado num “pseudo” episódio de sonambulismo desencadeado por um anti-depressivo, e que teria sido “perfeito”, se um psiquiatra não o tivesse investigado usando um raciocínio policial.

O psiquiatra poderia ter usado um raciocínio mais clínico, ou seja, perante um caso de violência nocturna, há que investigar com imenso rigor e isenção, reproduzindo comportamentos, fazendo testes, estudos de sono, e outros exames necessários, para determinar se a violência, com ou sem crime, resulta de maldade ou de doença.

Violência no sono?

Sim, claro, a violência pode existir no sono e é, nesse caso, particularmente perigosa. Porquê? Porque quem a executa está inconsciente e a intensidade dos actos pode ser grande.

Quais as causas?

O sonambulismo, os terrores nocturnos e os alertas confusionais podem ser causa de violência ou de acidentes.

Outro caso é a epilepsia nocturna. Algumas epilepsias surgem exclusivamente ou predominantemente de noite e manifestam-se por episódios com comportamentos simples (movimentos dos membros, gritos, etc.) ou complexos (andar, sentar na cama, cair da cama, agredir, bater, etc.). Confundidas com sonambulismo, não são tratadas. Quais as diferenças? As epilepsias podem surgir a diferentes horas da noite ou no adormecer, podem ocorrer várias vezes na mesma noite, os comportamentos são estereotipados e deles não há memória no dia seguinte ou quando se acorda. O acordar é difícil, com dores no corpo, dores de cabeça ou confusão. As epilepsias podem surgir em crianças, em adultos e em idosos, e algumas são mesmo familiares.

Outros casos ainda que, classicamente, surgem principalmente em homens idosos são os transtornos comportamentais do sono REM. O que é isto? São episódios que ocorrem no contexto de um sonho, durante o qual alguém está a agredir ou o doente ou um familiar. O doente defende-se e, nessa defesa onírica, agride violentamente quem está próximo, salta da cama como se voasse, esbraceja, etc. Quando acorda com alguma dificuldade, muitas vezes ou porque alguém está a gritar ou porque se magoou, vê a desgraça que provocou e arrepia-se: são olhos negros, pescoços apertados, feridas e sangue, braços partidos, etc. , etc., sempre coisas más. Quem o faz é geralmente pacífico e cordato e não está de modo nenhum a exprimir violência, antes pelo contrário, esteve a defender-se dela.

O que aconteceu? Teve sonhos em que era vítima de violência, durante os quais, por não ter a clássica, normal e protectora “atonia do REM”, que nos paralisa transitoriamente, executou mesmo o que estava a sonhar.

Tanto as epilepsias como o transtorno comportamental do sono REM carecem de tratamento eficaz e imediato por especialistas em Medicina do Sono ou por Neurologistas. O sonambulismo, na maior parte dos casos, carece de medidas protectoras e profilácticas.

Portanto, nunca confunda uns com os outros, porque muitas vezes andar a dormir não é sonambulismo.

 

Professora Teresa Paiva,

Lisboa 26 de Abril de 2013

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Os Novos Morcegos


Os morcegos são os únicos mamíferos capazes de voar.

De acordo com a Wikipedia, existem 11 116 espécies diferentes e representam um quarto de todas as espécies de mamíferos do mundo. Têm, além disso, uma enorme variedade de formas e tamanhos, uma fantástica capacidade de adaptação ao meio ambiente, uma das dietas mais variadas entre os mamíferos e um sofisticado sistema de eco-localização.

Não sei qual destas características nos faz ter inveja deles. Será o voar? O sonar? Ou o facto de dormirem cerca de 20 horas no total das 24 e de, mesmo assim, com uma duração de sono de fazer inveja, sobreviverem tranquilamente há milhões de anos.

Inveja? Sim, assim diria porque hoje em consulta tenho frequentemente pessoas de todas as idades com os sonos ao contrário. Deitam-se depois das 6 e acordam a meio da tarde!

Dormem de dia, para de noite estarem acordados, noite fora, a trabalhar, a jogar, no chat, a navegar na net, a produzir ou criar qualquer coisa, ou, simplesmente, a ver televisão com mais ou menos zapping.

São novos, adolescentes ou jovens adultos, são pessoas de meia-idade em profissões criativas ou não, são reformados que se deixam embalar pela noite.

Vida social? Não é certamente fácil. Saúde? É certamente difícil, porque, tal como hei-de dizer muitas vezes, dormir de dia acarreta problemas especiais e graves de saúde.

Porquê? Não, efectivamente, não somos nem morcegos, nem ratos, nem mochos. Somos humanos e, tanto genética como fisiologicamente, estamos feitos para viver de dia e não é a presença de luz eléctrica que convence o nosso corpo do contrário.

A regulação dia-noite, chamada regulação circadiana, foi adquirida muito precocemente na evolução da vida terrestre por bactérias azuis, chamadas cianobactérias, que queriam evitar as mutações induzidas pelo sol no seu ciclo de reprodução. Essa capacidade de organização circadiana existe generalizadamente nos seres vivos, designadamente nas plantas e nos animais.

Assim, é tão antiga, tão intrínseca, tão própria, tão essencial, que não é a luz eléctrica que a demove.

Voltando aos morcegos. Estes fantásticos animais voadores tiveram em muitas culturas um enorme impacto cultural: se é certo que na tradição chinesa são símbolo de felicidade e longevidade e, no cinema, o Batman é um salvador, na maior parte das culturas estes extraordinários animais são associados a algo funesto, a tristeza, a vampiros e a morte e, na África Ocidental, consideram-nos mesmo uma representação duma “alma separada”.

Tenho uma enorme admiração pelos morcegos em si, mas devo dizer que muitos dos morcegos humanos que conheci tinham uma espécie de dor e de tristeza, como se algo neles estivesse de facto “separado”.

Professora Teresa Paiva

Lisboa, 19 de Abril 2013


NA PRÓXIMA SEMANA: DEAMBULAR OU SONAMBULAR? INCONSCIÊNCIA OU CRIME?

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Artigo da autoria do Doutor Luís Portela, Presidente da Fundação Bial


O blogue Em Busca do Sono Perdido

Porque precisamos dormir? O que se passa no corpo humano enquanto dormimos? Qual a importância do sono nas nossas actividades do dia-a-dia? Porque sonhamos e qual o significado dos sonhos?

Estas são algumas questões sobre as quais por vezes procuramos saber mais. Questões que assumem particular relevância quando, na sociedade moderna, vemos reduzida a quantidade e a qualidade do sono.

Mas, se há ainda muitas incertezas em torno do tema do sono, há também já muitas certezas. É hoje consensual que a redução do número de horas de sono tem consequências sobre a saúde física e mental. Dormir mal pode estar associado a um risco aumentado de hipertensão, doenças cardiovasculares, diabetes, depressão e outras patologias. Por outro lado, a falta de sono é ainda responsável por muitos acidentes de tráfego e de trabalho.

É inquestionável que o sono tem um papel preponderante no equilíbrio físico, emocional e social de cada um de nós. Por isso, é de louvar a criação deste espaço de sensibilização, educação e partilha de dúvidas sobre o sono. Estou certo de que o blog Em busca do sono perdido nos ajudará a dormir mais, a dormir melhor e a ter sonhos cor-de-rosa.

O meu bem-haja à Prof. Teresa Paiva.


Doutor Luís Portela, Presidente da Fundação Bial
Lisboa, 12 de Abril de 2013

Link para a página da Fundação Bial

sexta-feira, 5 de abril de 2013

O Diretor do Lloyds Bank e o Presidente da Coreia do Norte

O Director do Banco Lloyds assumiu ter tido um problema de saúde por privação de sono e excesso de trabalho.

Kim Jong-un, Presidente e Chefe Militar da Coreia do Norte, dorme três horas por dia e faz jejuns.

De comum a ambos, a privação de sono!

Horta Osório reconhece-a como problema grave, enquanto Jong-un é tido como génio.

Em Londres, disseram que a privação de sono atingiria cerca de 50% das pessoas. E aqui? Há indicadores alarmantes: 50% das crianças e jovens têm sonolência excessiva. Diariamente, consulto doentes com privação de sono/excesso de trabalho.

São de todas as idades, ambos os sexos e todas as classes sociais. São os que governam e os que são governados. São executivos, funcionários, assalariados e independentes. São comerciantes e vendedores. São os que querem subir na vida e os que nela estão altos. São ricos, pobres e remediados. São os que trabalham por turnos e os que não têm horário de trabalho. São mães e são pais. São mães separadas com filhos a cargo; são pais com dois empregos para sustentar a família; são os que fazem tudo para pagar dívidas e os que exigem pagamentos. São os que exercem cargos de poder e os que não têm poder nenhum. São muitos...

Primeiro trabalha-se muito porque tem de ser!

Vai-se noite dentro, deitando tarde, levantando cedo. Ouvem-se elogios. Fantástico! Que energia! Que capacidade! Vêem-se os resultados. Respostas na hora. O e-mail não espera, os telemóveis sempre activos. O dinheiro entra ou há-de entrar. O sucesso bate à porta ou irá bater.

Mas... começam os erros, os lapsos fugazes, a palavra que não vem, o encontro que se esquece, o erro profissional.

Depois vêm a irritação, os nervos à flor da pele. O bocejar inoportuno, a desatenção. A memória a fugir.

De início, chega-se à cama e dorme-se logo, mas depois quer-se dormir e não se dorme. Nem de noite, nem de dia. Olhos escancarados, cabeça em rodopio! Noites brancas, mesmo em férias.

O sono quebrado, a bênção perdida!

O desespero, a depressão, a memória estragada, o raciocínio manco, o humor deplorável, o “burned out”.

Acontece aos melhores, aos mais bem preparados, aos mais inteligentes.

Os génios não dormem pouco. Alguns, como Einstein, eram mesmo dorminhocos.

O sono garantiu a sobrevivência durante milhões de anos.

O grande beneficiário é o cérebro. O sono consolida as memórias, a aprendizagem e os conhecimentos abstractos, ajuda na resolução de problemas, estimula a criatividade e estabiliza as emoções.

Para pensar e estar bem, é preciso dormir!

O corpo é outro beneficiário. Dormir de menos ou de mais aumenta o risco de diabetes, obesidade, doenças cardiovasculares, hipertensão, cancro, acidentes e diminui a esperança de vida.

Para ser saudável, é essencial dormir!

São precisas regras e regularidades no dormir, no comer, no repouso, no exercício. Cuidado, a doença resulta de erros nas regras da natureza!

São precisos limites, no trabalho, no crédito, nas despesas, no prazer, no sofrimento, em tudo.

Não somos escravos. Precisamos de pausas ao longo do dia, de tempo para estar e ser.

Não somos, quais gladiadores, instrumentos para deitar fora quando nos acomete uma incapacidade.

Aonde chegámos com tanto trabalho, tanto desassossego, tanto crédito, tanta coisa?

A um país em crise, a uma sociedade doente, com pessoas tristes sem futuro à vista.

Aonde irá chegar Kim Jung-un, sem controlo nas suas estratégias bélicas, desafiantes e impulsivas? Quais os sofrimentos indizíveis a que levará o seu povo? Quanta dor, tristeza, devastação se disseminará por aquela região?

Será tudo isto o trabalho de um cérebro genial ou antes o resultado final de um cérebro com graves problemas de decisão e tendências impulsivas/agressivas, agravadas pela privação de sono?

Deus descansou ao sétimo dia e nós não somos certamente deuses.
 
Professora Teresa Paiva
Lisboa, 5 de Abril de 2013



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sexta-feira, 29 de março de 2013

Dormir de consciência tranquila


“Durmo pouco, mas de consciência tranquila”.
Ouvi o Primeiro Ministro repetir esta frase diversas vezes e, como hoje é Sexta-Feira Santa, vale a pena meditar sobre o seu significado.
Hoje o mundo cristão recorda, celebra e venera a paixão e morte de Jesus Cristo; o homem que disse que mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus.
O Papa adoptou um nome que, estranhamente, nunca antes fora usado, lembrando com isso um Francisco que se despojou de riquezas, criticou opulências, protegeu os pobres e falou com a natureza.
Ela chegou carente explicando os seus males confusamente. Era magra, nervosa, de gestos inquietos. Vinha de longe em busca da esperança duma solução.
Não dormia; tinha começado há uns tempos, mas piorara muito no último ano. Nada lhe fazia bem, nem a punha a dormir; era um desespero não dormir e ter de se levantar cedo. Levantava-se às 6 para pegar as 7; trabalhava até às 10 da noite e deitava-se pelas 11 /meia-noite.
Sabe, as coisas estão mal… não podemos ter empregados… despedimos vários, isto porque sou só eu e o meu marido. Temos uma empregada para o ajudar na cozinha, porque é ele que faz a cozinha e eu sirvo às mesas, e eu não o quero sobrecarregar mais…
A contabilização das horas de trabalho e das possíveis horas de sono dá resultados assustadores. Partilhar com o marido? Não era possível porque ele ainda entrava mais cedo, pelas 4 para preparar os almoços. Mas, pelo menos ele, que ressonava muito, dormia até muito bem!
Fico inquieta com a falta de soluções e as complicações possíveis. A insónia dela à beira da depressão, a apneia dele. Hesito numa racionalidade pouco convincente.
Ela - magra, nervosa, de gestos inquietos e ar cansado - acrescenta então o problema principal:  Perdemos a nossa casita, que construímos há 12 anos. Quando o negócio começou a baixar, deixámos de pagar o empréstimo e o banco ficou com a casa, que construímos os dois com o dinheirito que ganhámos.”
Não há volta a dar?
Não, não, é mesmo definitivo, o banco ficou com ela e vamos para uma casa alugada. Isto é o que mais me custa.
Esta insónia obedecia certamente ao modelo dos 3 PPP, com factores precipitantes, predisponentes e perpetuantes, mas… que comportamentos mudar? Como ensinar regras de higiene do sono? Como minorar os efeitos do drama existencial?
Porque, de facto, não se tratava só da insónia, mas sim da crise de valores dos nossos dias, da imoralidade de finanças dominantes e dominadoras, da desgraça duma classe que, por inculta, foi enganada com facilidades, da indiferença dramática para com coisas semelhantes a acontecerem em catadupa, da fatalidade de uma economia que, farta de sugar os pobres, passou a esvaziar a classe média, da vergonha duma sociedade que não assegura direitos básicos aos seus cidadãos, que não protege os mais fracos, que não regula os mercados nem a ganância de investidores anónimos, que não pune nem os grandes prevaricadores nem os causadores da situação actual, a que chamam “crise”.
Uma sociedade que avoluma o fosso entre ricos e pobres e que a cada dia cria mais pobres.
Uma sociedade assim, de acordo com o Papa Francisco, não garante os direitos humanos e, por isso, não se pode lavar as mãos como Pilatos nem dormir de consciência tranquila.

Professora Teresa Paiva
Lisboa, 29 de Março de 2013

sexta-feira, 22 de março de 2013

Multitask? Um disparate!

Estamos na época da multitarefa. Fazer muita coisa ao mesmo tempo e quanto mais melhor.
As donas de casa há muito que o fazem, pois, com um filho ao colo e a ralhar com outro, vão mexendo o tacho do almoço e calculando mentalmente o que é preciso comprar. A moda pegou, e muitos a praticam. 
São as empregadas domésticas a limparem o pó com uma mão, enquanto a outra leva o telemóvel ao ouvido. São as intelectuais com o computador, a televisão, o MP3 e o telemóvel, tentando que não fique espaço livre para nenhum devaneio. São as crianças a pularem de brinquedo em brinquedo, não vá um só aborrecê-las. São os adolescentes com o iPad, os sms e a PlayStation enquanto estudam qualquer coisa para o teste de amanhã. São os que, acreditando nos benefícios da actividade física, andam quilómetros na passadeira ou na elíptica, enquanto vêem TV, falam ao telemóvel, lêem relatórios ou estudam matérias. São os executivos com vários telemóveis, o da empresa, o de casa, o dos clientes especiais, mais o iPad e as notas dadas aos soluços para a secretária. São os políticos com vários telemóveis, o computadores e vários assessores a fazerem perguntas de estratégia, dando notícias de minudências urgentes ou propondo planos para reuniões de amanhã. São os jornalistas, os vendedores, os empresários, os médicos, os advogados, os veterinários, os farmacêuticos, os polícias… são muitos
Andam muitos por aí nesta cacofonia de tarefas, correndo como cavalos cansados, sem saber ou questionar qual o sentido da corrida.
 
Costumo dizer que estas sistemáticas oscilações entre tarefas são como andar numa linha em zig-zag, com re-focagens sucessivas para uma das tarefas e consequente aumento do esforço e inevitável cansaço. O zig-zag é mais longo do que a linha recta! Mas ainda pior, não se pensa bem ou ponderadamente nenhum dos assuntos.
 
Quais as criações de Da Vinci ou de Einstein se estivessem sempre agarrados ao telemóvel?
As técnicas de meditação, hoje tão em voga, têm como objectivo o sossego da mente ou a focagem do pensamento, ou seja, defendem uma perspectiva exactamente oposta. O problema é que, depois de um bombardeio sistemático do cérebro e dos sentidos, querem dormir bem porque estão cansados. 
Desiludam-se, o cérebro é como os músculos: quando o cansaço é grande demais não consegue descansar, e… adeus sono.
 
O sono vem na tranquilidade, no silêncio, no conforto…


Prof. Teresa Paiva
Lisboa, 22 de Março de 2013

sexta-feira, 15 de março de 2013

Em Busca do Sono Perdido

Este blog é lançado neste dia preciso de modo a comemorar 2 acontecimentos: O Dia Mundial do Sono e os 30 anos do CENC – Centro do Sono.

O Dia Mundial do Sono tem por tema “Bom sono, envelhecimento saudável”. Num país em que os idosos são mais frequentes do que os jovens, este alerta vem “a calhar”.
Com o avançar da idade dorme-se pior, mas isto não quer dizer que se durma mal quando se é idoso. Um idoso saudável dorme bem!

O que acontece com o avançar da vida? Há mais doenças médicas, há mais doenças do sono e há, por vezes, mais razões de tristeza, mais incapacidade, menos interesses e mais isolamento. Em conjunto, estes factores constituem um caldo de cultura de onde irá sair seguramente um mau sono. Mas não é necessariamente assim. Um idoso saudável dorme bem!
O que fazer então? Diagnosticar e tratar as doenças que existirem, ter cuidado com a medicação, reduzindo-a se excessiva (cuidado com os calmantes e hipnóticos tomados cronicamente), ter interesses e ocupações, ter hábitos sensatos e regulares, alimentar-se bem e comer produtos frescos, sair de casa e apanhar luz do sol, ocupar o cérebro, fazer exercício, procurar companhia.

Os 30 anos do CENC - Centro do Sono. Iniciado em 1983 o CENC, que inicialmente só fazia electroencefalografia, tem vindo a diferenciar-se e hoje é uma unidade de referência em Medicina do Sono. Prezando a qualidade clínica e científica dos seus serviços e dando prioridade aos interesses dos doentes, o CENC foi melhorando ao longo dos anos e, no aniversário dos seus 30 anos, renova-se mais uma vez. Como? Melhorando as instalações e equipamentos e criando novos serviços. Em 2013 criou a Consulta de Sono para Crianças e Adolescentes, a Consulta de Exercício e a Consulta da Dor, apresentará em Abril o seu novo site (www.centrodosono.com ), publica mais livros e cria este blog.

O Blog Em busca do sono perdido é um blog bilingue (Português e Inglês), que será renovado semanalmente e que contará com a participação de colaboradores, amigos, profissionais, cidadãos e doentes. Tem como objectivo levar ao reencontro do prazer perdido de dormir e ao equilíbrio individual e social que advém do enorme benefício do sono para o corpo, a saúde, as emoções e o cérebro. Pode encontrar o blog em www.centrodosono.blogspot.com

Prof. Teresa Paiva
Lisboa, 15 de Março de 2013