sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Sono e carreira: quem influencia quem?



O sono e a carreira são dois conceitos que têm sido alvo de bastante atenção e preocupação por académicos e teóricos um pouco por todo o mundo, ainda que nem sempre se analisem as relações entre ambos. Os estudos do sono têm-se focalizado na análise dos hábitos, fatores pessoais e fatores ambientais que afetam o sono de crianças, jovens, adultos e idosos, bem como das patologias associadas. Por sua vez, os estudos da carreira têm analisado o seu desenvolvimento no contexto do ciclo de vida, assumindo a existência de diferentes fases, etapas e tarefas, bem como no contexto dos diferentes palcos de vida.
Atualmente, a relação entre estes conceitos tem sido alvo de um investimento acentuado, embora ainda seja difícil assumir-se a sua bidirecionalidade, isto é, o sono influencia a carreira, do mesmo modo que a carreira influencia o sono. 
No que respeita à direcção da primeira relação, ou seja, entre sono e carreira, estudos prévios têm avaliado questões do sono em profissionais de diferentes áreas. Alguns dos participantes envolvidos são os oficiais da marinha ou do exército, os enfermeiros da emergência médica, os hospedeiros de bordo, e todos os trabalhadores que, em geral, estão envolvidos em atividades que decorrem por turnos e, por este motivo, fomentam horários (duração) e rotinas (regularidade) muito diversificados. Neste âmbito, tem-se verificado, a título de exemplo, que, quando a duração, regularidade e autonomia do sono não são adequadas, podem surgir efeitos ao nível da saúde em geral (p. ex., mais fadiga), do funcionamento cognitivo (p. ex., dificuldades de atenção, concentração, e memorização), do humor (p. ex., irritabilidade, depressão), da aprendizagem, do desempenho e produtividade, das promoções, e da qualidade de vida (p. ex., menores níveis de satisfação com a vida).
No que concerne à direcção da segunda relação, ou seja, entre carreira e sono, os estudos prévios existem em muito menor número. Apesar disso, têm avaliado o impacto das diferentes carreiras e estilos de vida consequentes nos padrões de sono. Estes estudos têm sido desenvolvidos com participantes tais como os cuidadores, os (trabalhadores-) estudantes e os casais com dupla carreira. A este nível existe uma preocupação central associada ao equilíbrio/conflito entre os diferentes papéis de vida, isto é, o modo como a conciliação ou não dos diferentes papéis de vida (p. ex., ser mãe, ser trabalhadora, e ter vida social e de lazer) pode levar a problemas nos padrões de sono. Por outro lado, a fase de desenvolvimento de carreira (p. ex., exploração, estabelecimento, declínio), mais orientada para a exploração, a progressão, a manutenção ou a reforma, em que a pessoa se encontra também pode influenciar as questões de sono, nomeadamente levando a longos períodos de privação. Acrescenta-se ainda que os aspetos como as exigências de disponibilidade para o trabalho, os conflitos, o stress, o burnout, o mobbing e a competitividade estão associados a uma má qualidade do sono.
Daqui se conclui que, se uma boa noite nos prepara efetivamente para encarar com maior disposição, interesse e competência a vida pessoal e profissional, por seu turno, um bom dia é crucial para promover as condições necessárias para uma noite descansada. 



Joana Carneiro Pinto
Professora Universitária

Consulta de Aconselhamento Profissional e Gestão de Carreira do Centro de Medicina do Sono do CENC

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

A caminho do esgotamento


O caminho para o esgotamento é tortuoso e nebuloso, com voltas e reviravoltas, incerto e certo, muitas vezes curto, outras vezes longo, e, nos dias de hoje, percorrido por crianças, adolescentes, mulheres, homens, filhos e pais, profissionais e empresários. Um ror de gente e um triste caminho!

Mas vale a pena perguntar como lá se chega e o que lá se encontra. Chega-se lá de uma forma parecida: trabalhando muito, dormindo pouco, ajudando com estimulantes, drogas ou remédios.

Dirão: Que disparate! Como é que uma criança chega a isso?

Hoje em dia, no Portugal tranquilo e soalheiro, muitas crianças e adolescentes saem de casa ainda não é dia e chegam já de noite, depois de terem estado na escola, nos centros de estudo, nas actividades extra-escolares. Aprendem espanhol, inglês, ténis, natação ou equitação e outras coisas mais. Chegam a casa tarde, porque os pais trabalham também até tarde, jantam às 21h, vêm televisão ou brincam com a play station, o computador e o ipad, trocam mensagens com os amigos no telemóvel ou nas redes sociais e, por volta das 23h ou meia-noite, lá vão para a cama, de cabeça cheia, para dormirem melhor ou pior e acordarem antes do tempo, lá para as 7h, ensonados e irritados.

Nos fins-de-semana, há ainda os trabalhos de casa, inúmeros e excessivos, tendo em conta a sobrecarga escolar. Continhas feitas, trabalham pelo menos 40 horas por semana, ou seja, tanto ou mais do que o horário oficial de um adulto!

Consequências: a prazo, estes meninos e meninas ficam cansados, nervosos, com dores de cabeça e queixas de saúde, mas vão aguentando e, quando chegam à universidade, deparam com a surpresa de não serem capazes de estudar, de se orientar, de autonomia. Estão esgotados!

Esgotados sim, porque, para se prepararem para a vida, as crianças e jovens precisam de brincar, de ter limites no estudo, no tempo de aulas, nos trabalhos e no uso das tecnologias em voga.

Para os adultos, homens e mulheres, acontece o mesmo. Caem neste paradigma aqueles que têm de ter sucesso à viva força, os que trabalham demais e começam o dia cedo para o acabarem tarde, os que têm muitas responsabilidades, sejam elas económicas, financeiras, de pessoas para gerir ou de firmas para governar. Caem ainda as mães e pais de família com filhos e cheios de trabalho e de afazeres, as mães ou pais que, sozinhos, têm a responsabilidade de um ou mais filhos e entendem isso como sendo natural, esquecendo como é difícil. Caem os que fazem mil tropelias para não dormir, com cafés, estimulantes, ginástica fora de horas, e outras coisas mais. Caem os que trabalham por turnos e os que têm horários irregulares. Caem os que viajam muito e mudam frequentemente de país e de fuso horário. Caem os que não podem recusar o excesso de trabalho a que são obrigados. Caem os que têm de trabalhar o máximo para salvar a economia familiar periclitante, num mundo de regras financeiras e jurídicas que não aprenderam nem entendem. Caem muitos, infelizmente…

Mas o que é o esgotamento, também conhecido por “burn-out”?

Como disse, os caminhos são tortuosos e nebulosos. O primeiro passo é a compulsão para trabalhar por ambição ou obrigatoriedade de o fazer, ou a compulsão para usar tecnologias por divertimento ou integração em grupos. A seguir, faz-me sempre mais para ser sempre melhor, e começa-se a negligenciar as necessidades (esquecem-se as horas, as refeições, o dormir, a família, os amigos…), mas, como tudo parece estar mais ou menos, não se vislumbra a raiz dos problemas, que depois, são mesmo negados (Está tudo bem! Não há problema!). É então que os problemas se avolumam: a irritação, as olheiras, os esquecimentos e lapsos, o adormecer inapropriado. A depressão, carregada de tristeza e vontade de não fazer nada, a fadiga extrema física e mental (Estou desfeito!).


Aí está o tal esgotamento!